Sobre As Coisas, de Georges Perec

...poderíamos dizer que esta história é uma história de horror

Parafraseando Auxlio Lacouture/Roberto Bolaño, poderíamos dizer que esta história é uma história de horror, mas não parecerá. Não parecerá porque esse é um dos narradores de Perec, um autor que sempre foi adepto do lúdico, da brincadeira, do desafio cerebral. Mas por trás do jogo, sem dúvidas há um universo tenebroso.

O romance segue a vida de um casal jovem, recém-casado, que terminara de sair da universidade e da vida estudantil em direção ao mercado de trabalho, Sylvie e Jerôme. Recusando o trabalho formal com horários fixos, vão vivendo enquanto podem por meios de bicos em pesquisas psicossociais, embriagados pelo desejo de serem ricos e se alimentando de todo o fulgor da publicidade. Seus sonhos são todos ocupados por pequenas ambições consumistas: ter um apartamento maior é a principal delas. Seu tempo livre é gasto com livros, filmes, discos, encontros e jantares com amigos. No mais, levam uma vida medíocre e de sonhos achatados. Cansados de Paris, viajam para a Tunísia em busca de uma vida mais exótica e com mais aventuras, mas só encontram o tédio e o peso de uma cultura achatada pelo desenvolvimento desigual. Ele tenta escrever um livro sobre suas paixões cinematográficas, mas não vai muito longe. Retornam à Paris, conformados e novamente felizes.

É uma radiografia do apagamento dos sonhos, da acomodação dentro da vida de consumo, do apequenamento das paixões e da aceitação de uma vida que não oferece aventuras, não oferece saída para fora do marasmo, só a mesquinharia dos dias. Poderíamos dizer que esse é um romance sobre a alienação na França dos anos 1960, e o encerramento com um trecho recortado de Karl Marx poderia dar força a esta interpretação, como se Perec mostrasse um caminho para além do realismo social panfletário e da construção de tipos planos, uma forma que pensa para além de formas e convenções estabelecidas pela literatura de esquerda da época, já que o romance se assemelha mais à um ensaio, um estudo em episódios dos quartos, salas, decorações e objetos adquiridos pelo casal e, por meio deles, o comportamento de uma geração. Como disse o próprio Perec em uma entrevista: “as coisas nos descrevem. Podemos descrever os seres através dos objetos, através do meio que os cerca e da maneira pela qual eles se deslocam nesse meio”.

Não diria, ainda assim, que é de alienação que se trata, mas de um fenômeno novo, a colonização completa do inconsciente e da cultura pela máquina capitalista, que sobrecodifica subjetividades e torna tudo mera superfície. É um mundo infernal, não pálido, porque as mercadorias são coloridas, mas é de uma tristeza quase infinita. É desesperador.

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